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PROTESTO CONTRA A POBREZA
(Economia
da pobreza ou pobreza da economia?)
Autor: Joaquim Braga - 1997
A crise social
contemporânea desorientou a esquerda política europeia e fortaleceu a direita,
facilitando todo o excesso da prática capitalista, até ao chamado "capitalismo
selvagem". Perderam-se ideologias e, intervalarmente, deita-se mão do pragmatismo,
que tão bem casa com a teoria e prática do mercado, e com o economicismo, isto
é, a economia pela economia, desumanizadas as próprias raízes (étimos) da palavra (do
grego:oikos=casa + nomos=regra, lei), sem quaisquer preocupações éticas. Esquece-se,
facilmente, ou ignora-se, simplesmente, que Adam Smith (1723-1790), um dos principais
fundadores - se não o principal - da economia política, entre outros, se preocupava com
uma visão da civilização necessariamente abrangente de todos os valores, nomeadamente
os valores éticos, até porque ele foi professor de lógica e filosofia moral. Só o
excesso de "positivismo" dos economissistas, com o progresso das ciências
aplicadas à grande indústria, e o resultante poder económico e financeiro dos grandes
industriais, sobre o poder dos grandes latifundiários, levaria os economistas
(políticos) do liberalismo e do neo-librealismo económico, por comodidade ou egoísmo,
sob pressão dos poderes económico e financeiro, e com ausência total de sentido da
existência, ou no vazio cultural, a não considerarem a dimensão ética, ou
ético-social, da economia política.
O autor de
"Riqueza das Nações" (1776), de "Teoria dos Sentimentos Morais", de
"História da Lógica e da Metafísica dos Antigos", etc., ficaria, com certeza,
perplexo e, quiçá, angustiado, se tivesse tido o Dom "profético" de visionar
a situação a que se chegou nesta era do "consumismo". Porque Adam Smith,
como outros fundadores da arte/ciência da economia política, acreditava que as
"leis naturais" trariam, necessariamente, a felicidade à sociedade humana, e
portanto a todos os cidadãos, - uma herança filosófica recebida dos
"fisiocratas". E ainda porque acreditava em Deus e na bondade natural das
coisas. E era como moralista que procurava remédio para as desigualdades crescentes,
resultantes da industrialização, acreditando "ingenuamente" na moderação
voluntária dos patrões da indústria, na restrição do luxo e no desenvolvimento
complementar da agricultura. (Sobre este assunto, entre outros estudos, pode ler-se:
"Histoire des Doctrines Économiques", de A. Espinas, Ed. de Armand
Colin, Paris, s/data, e/ou as obras de Adam Smith acerca destas matérias: economia
e moral.)
Se, já na antiguidade
grega, o filósofo Aristóteles dizia que "não se pode separar o político do
económico" na época contemporânea concede-se à economia um estatuto de
ciência positiva, que se impõe, politicamente, ao serviço exclusivo do poder
económico, separando-se da ética, analogamente ao que se passa com o direito positivo,
quando de todo se afasta da raiz do "direito natural". Porém, torna-se
absolutamente necessário um reformismo humanista, que, na prática, qualquer
estado democrático, com governos conscientes e corajosos, pode fazer, através de
reformas socialmente justas, recuperando a dimensão ética da política
económica. O puro liberalismo económico (que de puro só tem a teoria), sem uma
dimensão ética, é contrário à natureza humana, na sua condição social; é
contrário ao que há de mais humano e racional no homem. E por isso se apresenta
exigível o "controle social" do mercado pelo estado, sempre que
necessário, não só como árbitro, mas também como medianeiro social entre parceiros, e
como defensor do cidadão comum, pois que se assim não for, se nega como estado.
E, aí, temos o paradoxo da auto-negação do estado moderno e liberal, quando não
atende às exigências da função social: liberdade/responsabilidade. E, ainda, à
exigência ético-social de solidariedade. E isto é verdadeiro tanto para a ética, como
para a economia.
O factor económico é um
factor irracional, por mais que os políticos economicistas, ou economistas do
neo-liberalismo económico absoluto, apresentem, teoricamente, o processo de equilíbrio
económico-social como "auto-regulável". Porque, se o mercado não for
socialmente "controlado", sempre que necessário, se o factor
económico-financeiro se realizar unicamente na linha de lucro contínuo e crescente, como
tem estado a verificar-se nas sociedades capitalistas contemporâneas desenvolvidas e em
via de desenvolvimento, exceptuando algum controle fiscal e algum apoio à produção de
alguns produtos essenciais para a vida do consumidor, pouco se preocupando com os
salários justos e com o desemprego, continuará a assistir-se à desumanização
contínua da sociedade humana, com a tolerância quase absoluta do estado democrático;
além de se assistir, ainda, à desnaturação da produção de origem vegetal e animal, e
à poluição e consequente degradação contínua das fontes de vida, que são o ar e a
água.
O economicismo, isto é, a
economia pela economia, em vez da economia pelo homem, torna os ricos mais ricos e os
pobres mais pobres, cavando um posso cada vez maior, e socialmente mais perigoso, entre
ricos e pobres, quase destruindo, ou "fracturando", a classe média, seguindo um
processo de marginalização dos pobres e desprotegidos, cada vez mais radical, gerando a
miséria dos cidadãos sem abrigo nas grandes cidades, e ainda a difícil situação de
pobreza de muitos reformados e pensionistas mal compensados de uma vida de trabalho.
por outro lado, devido ao desemprego provocado pela prática da máxima rentabilidade
mercantil, e à necessária informatização dos serviços e/ou empresas, sem ter em conta
uma exigência ético-social de solidariedade humana, aumenta de forma assustadora o
crime, agravado pelo tráfico de droga, e pela falta de formação de base da maioria dos
marginais, e ainda por causa do desespero humano.
O fenómeno das grandes
migrações, com vantagens económicas para países ricos e pobres, postas em evidência
por Galbraith, embora com alguns aspectos político-sociais negativos, conhecidos
das populações, os quais põem, por vezes, em risco o bem estar e tranquilidade dos
emigrantes e dos outros, poderá constituir uma forma "natural" concorrente para
a solução de um determinado tipo de pobreza, mas não constitui a única forma, nem
suficiente, nem mesmo a principal, como o próprio Gaibraith admite (in "A
Sociedade da Pobreza", Lisboa,1979).
O fenómeno das migrações
(de natureza nacional ou internacional) para as grandes cidades, apresenta alguns aspectos
positivos, como, por exemplo, a oferta de mão-de-obra não especializada e a possível
troca de diferentes experiências culturais, mas apresenta também aspectos negativos,
criando zonas de pobreza na periferia e/ou nas ruas dessas cidades (cujo máximo exemplo
negativo é o de Bombaim, na Índia) ,paralelamente ao abandono da agricultura.
Por outro lado, sem
educação, formação profissional e cultura generalizadas sabe-se que não é possível
desenvolvimento humano significativo, mesmo que economistas e financeiros políticos
apresentem as contas certas e saldos globais positivos.
Keynes (1883-1946)
preocupou-se com o desemprego e responsabilizou o estado, na medida em que leis exige ser
criador de emprego, quando necessário, mas, além do fenómeno no desemprego, com suas
implicações económico-sociais, há, também o problema da habitação (da falta de
habitação e da má habitação), dos baixíssimos ou nulos rendimentos, na doença e na
velhice dos desprotegidos, e tudo quanto gera a fome, a violência e o crime com suas
implicações ético-sociais, que tanto dizem respeito à economia política, pelas
causas, efeitos e remédios, como à sociologia, que estuda estes fenómenos.
O ex-comunismo soviético do
leste europeu desmembrou-se, ou autodestruiu-se, sobretudo por razões éticas (o, então,
embaixador soviético, em Lisboa, Guerassimov, afirmou, perante as câmaras da tv,
que tinha falhado a "natureza humana"), porque o sistema, sendo totalitário,
"pecou" contra o espírito e a natureza humana, porque o homem se degrada sem as
liberdades fundamentais, por mais instrução que receba, e "cultura" que
usufrua; mas falhou também, evidentemente, por excesso de controle burocrático e
administrativo, pelo não cumprimento das regras fundamentais do mercado, o que equivalia
à não-existência de mercado, ou à sua negação, dado que mercado e estado
burocrático coincidiam, gerando uma "máquina" radicalmente pesada, inadequada
e corruptível.
Mas irá sobreviver o
capitalismo neo-liberal, tão materialista nos meios como nos fins, tão próximo de um
"capitalismo selvagem", na prática desumana do quotidiano?
E será que um "capitalismo selvagem" sobreviverá contra as leis da verdadeira
natureza humana e do espírito, contra a ética e a razão?
O socialismo pseudocientífico e/ou ateu quebrou-se. E o capitalismo neo-liberal, que,
democraticamente, aceita a ideia de Deus, e adora Mammon?
Não é difícil compreender
a razão por que o escritor (Prémio Nobel) russo Alexandre Soljenitsin, depois de
muito criticar o "socialismo soviético", acabou por chamar a atenção dos seus
concidadãos, aquando da derrocada da URSS, para que não importassem o "lixo"
do ocidente.
Seria bom que aqueles que
detêm o poder económico e/ou político, sejam eles católicos, protestantes,
agnósticos ou outros, e que andam tão distraídos, tivessem em atenção a
"doutrina social" da igreja, na linguagem actual do Concilio Ecuménico II, em
boa hora que foi convocado pelo Papa João, mas que falta ainda cumprir, na letra e no
espírito.
Que as grandes religiões deverão contribuir para a paz e justiça na terra, combatendo
toda a espécie de fanatismo no seu próprio seio e fora dele, praticando e pregando o
espírito de tolerância, de fraternidade e de solidariedade.
Que aqueles que estão
contra o "estado-providência", reclamando sempre um mínimo de estado e um
máximo de sociedade civil, recusam-se a admitir que o estado sempre deve refletir a
consciência da condição de necessidade e liberdade de todos os cidadãos,
apresentando-se e agindo como "consciência social", na articulação das
classes sociais, na sua interdependência e interpenetração, com vista à harmonização
democrática.
Que, quanto maior é a
diferença de classes, maior é o atraso social.
Que as diferenças são
naturais, mas, se forem excessivas, provocando grandes desequilíbrios, são contra a
natureza social do homem.
Mas será que os homens do
poder económico e político não se preocupam com estas coisas, por causa do seu
egoísmo, ou por causa do seu individualismo desprovido de sentimento de solidariedade, o
que significa o mesmo ?
Ou por que é cómodo pensar
que tais problemas não têm solução satisfatória ?
Se, como dizia Aristóteles,
repetimos, não se pode separar o político do económico, também não se pode separar a
política da ética, e, consequentemente, da economia política, seja qual for a
"ideologia" (ou a falta dela), orientação ou pragmatismo dos governantes; -
não se pode, ou não se deve, cuidar da economia pela economia, sem ter em conta a
verdadeira natureza humana, ou o factor humano, as necessidades básicas de todos os
cidadãos, tanto económicas como culturais e espirituais.
As armas químicas, biológicas e atómicas são fruto do desenvolvimento
técnico-científico. porém, por razões éticas, ou humanas, o seu emprego bélico é
não só condenável, mas também limitado, e até proibido, por acordos de política
internacional. É evidente que falta "proibir" as guerras ofensivas" e o
espaço para isso é o da ONU. E recordo o filósofo Bertrand Russell, grande
pacifista, que defendia a existência de um futuro "governo mundial"
(evidentemente democrático), e dizia que era necessário hierarquizar, de novo, a
sociedade. e recordo, ainda, o bispo católico brasileiro, D. Helder Câmara,
pregando contra as "malditas fábricas de material de guerra".
Mas, perante isto,
pergunta-se:
E a aplicação da ciência
económica e do mercado à sociedade - sem o controle ético do estado - gerando miséria
(apesar de gerar riqueza, conforme seu fim económico), não é condenável?
E o salário injusto, o
despedimento sem justa causa, a reforma ou pensão de miséria, as acções de
despejo contra inquilinos pobres, lançados na rua. A redução de pessoas ao estado de
pobreza ou de miséria, tudo isto não é condenável?
O homem é a sua
consciência
Acabar com o estado de
pobreza é uma exigência não só do coração, mas também da razão. Trata-se de uma
exigência ética do homem social. Mas é possível que, na perspectiva da ciência da
economia, informada pela sociologia, se faça uma melhor redistribuição da riqueza,
quando se concluir que a pobreza fica cara à sociedade, sendo em termos materiais, um
desperdício social e humano, o que é, verdadeiramente, uma ironia.
É este um grande desafio do
final do Século XX, que alcança o Século XXI, e que se coloca à nova esquerda e à
nova direita, ou seja, o encontro da harmonia racional e humana, evidentemente relativa,
como tudo o que é humano, na liberdade com responsabilidade, e na justiça social (apesar
de haver quem diga não saber o que isso é), com esperança e confiança no futuro do
homem e da sociedade humana; na sua diversidade, em cada nação; na Europa e no mundo,
embora com a noção da distância que sempre existe entre a realidade e a utopia. E que
se tenha a consciência plena de que cada ser humano, cada pessoa, é algo de concreto e
não redutível a um número estatístico.
E não fiquem os políticos e outros responsáveis de
braços cruzados, à espera que as coisas se resolvam por si; ou que qualquer
fundamentalismo venha tentar resolver perigosamente.
Que, na luta pela sobrevivência (domínio do
irracional), é lei natural: os tubarões (e outros peixes vorazes) alimentarem-se de
outros peixes de menores dimensões.
Mas os homens não são peixes (ou são?).
O homem é a sua consciência.
Assim, os homens do grande capital, das grandes e médias
empresas, deverão tomar consciência social das indispensáveis reformas
político-económicas a efectuar. Está nas mãos do poder político-económico mudar a
sua atitude perante a sociedade civil e o estado, e admitir um novo modelo de
"estado-providência" que se conjugue de forma positiva, humana e justa com a
sociedade, sem perda de liberdade política e económica, aceitando porém, para o mercado,
os limites sociais da ética.
O estado deverá ter objectivos de equilíbrio
social e humano, para controlar e reduzir, tanto quanto possível, a injustiça, que é
violenta, irracional e, portanto, sem sentido. E, para tal, terá de chamar a colaborarem,
democraticamente, com a política de estado, não só economicistas, mas também homens de
ciência, nomeadamente de ciências humanas, artistas, filósofos e, até, teólogos, que
possuam potencialidades aproveitáveis para os fins em vista.
Que a grande questão social é não só
político-económica, mas também cultural e ética, não parece haver dúvidas
sobre isso, se conscientemente nos debruçamos sobre o assunto.
Os marxistas russos e outros não se aperceberam da
gravidade da antinomia "estado ateu/existência de religião" na sociedade
civil, nem da solução que passaria pela neutralidade do estado em matéria religiosa
também. Também não compreenderam, ou só tardiamente alguns compreenderam, a
necessidade do mercado, ainda, e necessariamente, regido peia clássica "lei
da oferta e da procura", como "motor" e "regulador" económico
relativo da produção e do consumo, mas não promotor, evidentemente, da justiça social.
Perante a existência do mercado, em circunstâncias
democráticas, os "pactos sociais" entre os governos, a grande indústria e o
comércio, e os sindicatos de trabalhadores, através dos seus representantes qualificados
(sem renunciarem à luta por melhores condições de vida), deverão ser uma prática
institucional normal e/ou corrente, sob a arbitragem do estado, com vista ao bem comum.
É necessário que se tome consciência plena de que o liberalismo económico
"absoluto" é, também ele, utópico, em termos de equilíbrio social, gerando
"desequilíbrios paradoxais", e, até, catastróficos.
De qualquer forma que a economia, como ciência, seja encarada, a sua aplicação será
sempre política, e terá sempre consequências sociais. E a política, se for
verdadeiramente democrática, terá, necessariamente, de atender à ética. Qualquer
política tem sempre implicações éticas, ou ético-sociais, boas ou más.
É certo que todo o processo de evolução do homem acarreta sacrifícios, mas chegou o
tempo de combater eficazmente as grandes diferenças entre ricos e pobres, e/ou de reduzir
as grandes diferenças de classes, porque há gente muito rica e gente muito pobre, e,
ainda, países ricos e países pobres, o que e um escândalo, numa sociedade global que se
quer formada de seres racionais. e, por isso, torna-se necessário resolver, socialmente,
não só o problema da pobreza, dentro de cada país, ou comunidade de países, mas
também resolver o problema da pobreza à escala mundial, dado que este mundo em que
vivemos é um só mundo, uma realidade global intercomunicável e interinfluenciável, em
desenvolvimento altamente tecnológico.
Em conclusão: só por egoísmo, ou por falta de: consciência e vontade política,
ou por causa dos interesses económicos excessivos de alguns, é que se não resolveram
ainda os graves problemas sociais que afectam a maioria das pessoas pertencentes
às classes mais desfavorecidas, sobretudo as pessoas caídas na pobreza e, pior, na
miséria material e moral.
Não se trata, como é
óbvio, de defender o estabelecimento de uma república utópica, ou platónica, governada
por filósofos. Mas há que ter em conta o movimento de aproximação possível do ideal
de justiça e solidariedade. É necessário e urgente construir uma sociedade em que o
egoísmo absoluto e irracional não tenha "lugar social". E se a democracia não
for capaz de o fazer, poderá tentar fazê-lo, a seu modo, algum fundamentalismo (é
conveniente repetir), desprezando o princípio de tolerância, como valor
fundamental de convivência humana.
Será esta a última oportunidade da democracia se afirmar em sua plenitude social,
política e económica, na construção do século XXI ?

Se
ainda tem o fundo em preto é porque não passou o ponteiro do rato sobre a vela.
Faça-o agora e fique mais iluminado.
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